Quando eu me
revoltei com minha vida? Nunca...
Minhas revoltas sempre foram
internas, silenciosas, suspiradas e engolidas. Passei por momentos muito
complicados, apanhei de todas as pessoas por todos os lados, já sofri agressões
físicas e verbais, nem assim me revoltei. Nem diante de tantos abusos eu
gritei, nunca perguntei o porquê de nada.
Não perguntei o porquê do meu pai ter
me abandonado (diversas vezes), não perguntei o porquê minha mãe escolheu me
deixar (sempre) pra trás ou o porquê de ela ter aceitado o meu "não vou
com você". Pode ser que eu dissesse "não" para que alguém me
perguntasse "por que não?" e aí nascesse uma conversa sobre tudo que
eu vinha vivendo, talvez fosse carência de cuidado, pois, por mais que
existisse alguém cuidando de mim, sempre me senti completamente sozinha no
mundo.
Na verdade, eu nunca me senti
cuidada, eu mesma cuidava de mim e das minhas coisinhas. Eu que sempre tinha o
cuidado de deixar meus lápis apontados, a agenda dentro da mochila, estudava
sozinha, me virava sozinha para nunca ter uma nota vermelha e desapontar a
vovó, afinal, ela não entendia nada das matérias escolares e não poderia me
ajudar caso eu não desse conta do recado.
Lembro-me agora de quando estudava na
Escola Estadual e fui muito mal em matemática;, em um sábado, todos os meus
coleguinhas foram para excursão no clube da cidade, e eu pedi a professora para
me deixar na diretoria fazendo outra prova de matemática, tinha estudado muito
e não podia ficar com nota vermelha no boletim. Ela deixou, eu me recuperei e
ninguém nunca soube que eu não fui à excursão da escola.
E é isso, sou adulta desde os meus 8
ou 9 anos. Nunca me permiti dar "piti", reclamar da minha vida ou
demonstrar minha tristeza e fragilidade, pois vovó tinha mais o que fazer e
mamãe tinha a família dela para cuidar, não tinha tempo para perder com minhas
revoltas, tinha seus próprios problemas e o de suas filhas e marido para resolver.
Achava que eram
coisas que eu deveria viver mesmo, aceitar mesmo, que era meu karma, minha
luta.. sei lá..
Eu aceitei tudo que a vida foi me
dando e encaixando todos os maus sentimentos de uma forma que eles coubessem em
mim sem que fizessem barulho. Nunca fui de fazer barulho.
Também não fui uma criança abraçada,
beijada, etc.. não sei o que é esse contato físico, esse carinho exteriorizado.
Lá em casa ninguém foi assim.
Não me lembro de ter ouvido "eu
te amo" quando criança, ou adolescente, aliás, eu nunca OUVI "eu te
amo".. as únicas vezes que isso veio de minha mãe, minhas irmãs ou minha
tia foram pela internet, por mensagens, porque pessoalmente mesmo eu nunca ouvi
isso. Acho que também nunca falei para alguém.. sempre foram palavras escritas
e não sonorizadas.
Nem para família, nem para ex
namorados.. o "eu te amo" sempre foi impresso em um cartão de datas
comemorativas.
Penso agora que por 23 anos fui, em
resumo, distante, fria, dura, tolerante, paciente, conformada.
Acho que as pessoas que têm uma
família bem estruturada, ou familiares bem próximos, presentes, onde o diálogo
é corriqueiro, se sentem protegidas e, assim, vivem mais naturalmente.
Eu, por nunca ter me sentido
protegida, segura, criei minha própria armadura, forte, impenetrável, algo que
todo mundo sempre percebeu, mas nunca entendeu que não era algo meu. Essa minha
maneira fria e distante de lidar com as pessoas não acredito que seja algo
inerente a minha pessoa, mas sim uma blindagem artificial esculpida pelas
minhas próprias "mãos".
Nesses 23 anos ninguém me conheceu de
verdade, nem mesmo eu..